quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Perdida


Na colina do medo Te perdi
e de lá me pus a chamar
e sabia que Tu me ouvias
e me respondias
mas meus ouvidos estavam surdos
e meus olhos cegos.

O que seria de mim
que agora era nada,
oco vazio sem Ti?
Já não penso nem falo
já não me lembro
nem sonho.
Na mente vazia,
só a saudade.

Na colina erma
em que vagueio só
o medo me come as entranhas
e nem me importa dizer o que me ameaça.
O que me devora é ter Te perdido.

terça-feira, 23 de abril de 2019

Passagem

Estive frente ao medo.
E eras Tu
que me assombravas
com Teu amor feito de fogo.
Me lanço e
o que arde é o que Te nega.
Agora envelheço no braseiro dos Teus braços
até restar o que não arde.


quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Fogo-Amor

Encosto meu rosto em Teu peito.
O calor me queima.
É desse fogo que fugimos.
É esse amor que nos fustiga.
Se o mundo se incendiar,
não restará pedra sobre pedra
do que não for fogo também.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

As meninas

Quando a menina passou
e viu
sem susto
os galhos fortes
do que antes era só sonho e fé,
se ajoelhou e com os joelhos
sujos da terra vermelha
que cobre o mundo todo
brincou.
Quando eu passei
e vi
sem medo
a menina com a terra toda
que cobre o mundo,
me sentei e pus a menina no colo.
Éramos duas.
E logo éramos o mundo.
E a terra nos avermelhava a fronte chorosa.
E o fogo do sol nos derrubou sem dó.
Era Tu
e Tua língua.
Éramos tuas
com corpo em fogo.

Aforismo 28

Do profundo da terra devastada
brota sempre uma semente.

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Não amor

Ele me olha
e não há amor.
O peito sangra
e o sangue
corta a pele ressecada.
Uma só ferida
percorre o corpo.
Me limpo
me enfeito
me curo
me minto:
sugo seu olhar
e ainda assim
- o mesmo -
e eu grito
peço
rasgada
em dor:
e não há amor.
E assim nem creio
que possa haver
tal Amor perene
que me salve
de mim.
Mas ainda quero.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Língua e letra

A letra, que, afinal, é minha
treme sob o jugo da pulsação
infinita que me assalta
e devora:
a língua de Deus não tem pena de mim.
Bagunça minhas entranhas
como o cachorro que lambe a cadela no cio.
Mas não sacia.
A fonte do desejo não seca
e eu sigo ardendo
de saudade de Ti,
Deus que seduz.